“O Cálice dos Deuses”: A nostalgia consegue sustentar um livro?

Capa brasileira de "Cálice dos Deuses" (Imagem: Editora Intrínseca)

14 anos após o lançamento do último livro, a saga de Rick Riordan “Percy Jackson e Os Olimpianos” volta com um sexto volume – “O Cálice dos Deuses” – dando início a uma trilogia acompanhando o trio de personagens principais em uma nova fase de suas vidas. 

Percy Jackson está prestes a se formar no ensino médio e tem planos de começar a cursar a universidade de Nova Roma. Porém, o jovem semideus descobre que, para isso, vai precisar de três cartas de recomendação de deuses, que por sua vez só irão escrevê-las em troca de missões. Assim, Percy ao lado de sua namorada Annabeth Chase e seu melhor amigo Grover Underwood, sai em mais uma arriscada aventura em busca do Cálice dos Deuses.

“Percy Jackson e os Olimpianos” é considerado um clássico da literatura jovem, responsável até hoje por formar novos leitores. Seu universo e personagens deram origem a outras sagas ao longo do tempo, sendo duas as que seguiram diretamente os acontecimentos dos cinco livros: “Heróis do Olimpo” e “As Provações de Apolo”, além de um livro solo lançado em 2023 intitulado “O Sol e A Estrela”. 

São quase vinte anos escrevendo dentro do mesmo universo, e mesmo assim, Rick Riordan conseguiu manter uma escrita concisa e coerente. Porém, em suas últimas obras, a “fórmula” parece ter começado a se desgastar. 

“Heróis do Olimpo”, a segunda série dentro do universo de mitologia grega, é considerada por muitos dos fãs como o auge da aventura dos personagens, equilibrando todos os elementos já amados de uma maneira envolvente e com um grande senso de urgência. O nível parece ter caído em “As Provações de Apolo”, que ao trazer novos personagens como protagonistas, deu um passo arriscado. Em geral, os pontos positivos foram maiores do que os negativos, mas as fragilidades começaram a aparecer. 

As fragilidades ficaram evidentes em “O Sol e a Estrela”, que talvez seja, até então, a obra mais fraca do autor dentro do universo, principalmente por trazer consigo grandes expectativas por ser o livro solo de Nico di Angelo, um personagem muito amado pelos fãs, mas que perde sua essência ao ser transformado em uma espécie de imitação de Percy Jackson. 

E então chegamos à “Cálice dos Deuses”.O livro tem o público alvo muito bem estabelecido: os fãs da primeira saga, especificamente aqueles que a leram quando novos, cresceram com os personagens e hoje estão na mesma faixa etária e vivem as mesmas situações que eles nessa nova aventura. O sentimento de nostalgia é o dominante durante toda a leitura, incentivado por diversas menções de acontecimentos dos cinco primeiros livros. 

A nostalgia não é só dominante, (até mesmo de forma literal) como é o que sustenta o livro, ao ponto de que, se tirá-la da equação, resta uma aventura simples, que seria um ótimo material para um conto, mas sem grande sustância para um romance 

As etapas da missão seguem o mesmo protocolo já estabelecido pelas outras obras, mas que nunca apareceu de forma tão evidente quanto aqui. O livro é quase como se dividido em fases de videogame, onde os personagens cumprem uma tarefa, conversam com aquele que a designou e podem oficialmente cumpri-la

Por outro lado, acompanhar o desenrolar das tarefas não chega a ser um desafio, muito pela leveza da escrita, mas principalmente pela dinâmica dos personagens, que são o maior ponto positivo do livro. 

Percy, Annabeth e Grover são velhos conhecidos. Sabemos de suas vidas inteiras, seus medos, pensamentos e inseguranças, fazendo com que seja divertido e familiar acompanhá-los mais uma vez (novamente, o sentimento de nostalgia sustentando o livro). A dinâmica de suas relações funciona muito bem, e colocá-los em uma missão já mais velhos faz com que se torne evidente o amadurecimento deles. 

capa espanhola o cálice dos deuses
Trio protagonista de "O Cálice dos Deuses" (Imagem: editora salamandra)

Mostrar a evolução dos personagens é o que pode justificar a existência dessa nova trilogia. Ao recordar momentos do passado, ao mesmo tempo em que pensam no futuro, os três amigos conseguem transparecer como os acontecimentos dos livros anteriores os afetaram, algo que nunca teve muito espaço durante as narrativas. Situar os acontecimentos desse livro entre “Heróis do Olimpo” e “As Provações de Apolo” é uma decisão acertada e ajuda nesse ponto, já que explora alguns acontecimentos e reações dos personagens que acabam passando batidas, mas que explicam suas atitudes nos demais livros. 

“O Cálice dos Deuses” não é um livro terrível, mas também está longe de ser um dos pontos altos do universo de Percy Jackson. Mesmo que se escore na nostalgia dos fãs, é inegável que tem sucesso em despertar o sentimento, fazendo com que os leitores se envolvam e acabem por ter uma experiência positiva com a história. 

Ainda restam duas missões e muito potencial a ser explorado, resta esperar para conferir o que vem por aí. 

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