Os fãs na cultura pop: qual é o limite?

Fãs na Comic Con

Ser fã tem seus bons e maus momentos. Ser apaixonado por um livro, filme ou um quadrinho te aproxima de novas pessoas, mas ao mesmo tempo, os fãs podem virar fanático em questões de segundos. 

Nos últimos anos, os conhecidos fandoms cresceram e formaram grandes comunidades. Os fãs se uniram de uma forma nunca antes vista, agora possibilitada pela expansão da internet e, especialmente, de espaços para discussão. Mas, nem tudo são suas mil maravilhas. Por muitas vezes, as discussões tornam-se ataques pessoais e verbais, ultrapassando limites de uma conversa. O fanatismo gerado por esses grandes grupos provoca uma onda de ódio em massa por quem pensa diferente.

Qual é o limite do fã? Até onde esses consumidores, tão investidos com obras e ídolos, ajudam ou atrapalham suas imagens? Há uma diferença de comportamento em diferentes nichos? 

Fãs de Filmes e Séries

O papel dos fãs na consolidação de filmes e séries é fundamental. Temos como exemplo a saga Harry Potter, que mesmo 22 anos após o lançamento do primeiro filme segue lotando eventos e lotando salas de cinema – apesar de todas as polêmicas envolvendo a criadora J. K. Rowling, que parece se esforçar para “afundar” a saga. 

Há inclusive produções que surgiram como verdadeiros fracassos – muito por conta de estratégias de marketing equivocadas –  mas foram resgatadas pelo público e hoje conquistaram reconhecimento. A animação “O Gigante de Ferro”, considerada por muitos como uma das melhores de todos os tempos, teve um prejuízo de aproximadamente 47 milhões de dólares em sua produção, muito longe de alcançar o seu custo. 

Isso sem citar filmes como “The Room”, presente na maioria das listas de piores filmes da história, mas considerado um clássico cult. O público tem um carinho especial pela produção, considerada “tão ruim que chega a ser boa”.

Odiados pela crítica, adorados pelos fās

Um dos principais termômetros para o sucesso de produções sempre foi e sempre será a crítica especializada. Sites como o Rotten Tomatoes e o Metacritic contam com sistemas de nota baseados em um consenso da crítica, e são utilizados como parâmetros para avaliação de um filme. A crítica funciona como um mediador para aquele que quer consumir algo, mas não sabe se vale a pena – uma espécie de curadoria de filmes, séries ou qualquer outro objeto criticável. Mas muitas vezes a opinião da crítica diverge do público. 

Usando o Rotten Tomatoes como referência, temos como exemplos o primeiro filme da franquia Transformers – com 57% na pontuação da crítica e 85% na pontuação da audiência – e Star Wars: Ascensão Skywalker, com 52% na avaliação da crítica e 86% na opinião do público.

Avaliações do Rotten Tomatos da crítica e dos fãs
(Imagem: Site/Rotten Tomatoes)

Filmes de heróis, cinema?

Sucesso recente nos cinemas, o Universo Cinematográfico da Marvel conquistou uma legião de fãs de todas as idades. Grande parte dos filmes, mesmo com falhas no roteiro, buscam agradar os fãs de alguma forma – o chamado “fan service”. Mas, quando um filme passa a se importar muito em agradar o público e deixa de lado a qualidade da produção, isso se torna um problema. 

Essa queda de qualidade recente em produções do UCM levanta a discussão se os filmes de herói são realmente obras de arte ou apenas “caça níquel” para arrecadar dinheiro do público. A discussão não tem uma resposta definitiva, mas uma coisa é fato: os filmes do gênero devem grande parte de seu sucesso aos fãs.

Fansubs e o acesso a produçōes que não chegariam facilmente ao país

Saindo dos blockbusters, chegamos no mundo das chamadas “fansubs” – as legendas feitas por fãs. É de conhecimento público que, principalmente no Brasil, existe uma dificuldade no acesso à arte. Muitas produções estrangeiras demoram para chegar até o país, ou nem chegam a ser lançadas. Para “salvar” aqueles que querem consumir o conteúdo, muitos brasileiros traduzem filmes e séries e disponibilizam o arquivo na internet.  Era o caso do site legendas.tv, que continha uma infinidade de legendas das séries do momento e filmes recém lançados, mas o site foi descontinuado. 

Graças às fansubs, muitas produções conquistaram espaço no país. Filmes independentes que antes nem chegavam ao país passaram a despertar o interesse do público, e começaram a ter os direitos comprados por grandes distribuidoras e ter exibições em grandes cinemas, o que não era nem imaginável nos últimos anos.

Comunicado do fim do site legendas.tv feito por fãs
Comunicado do fim do site legendas.tv (Reprodução: Site/legendas.tv)

Fãs de livros

A comunidade literária passou por uma grande crescente nos anos de pandemia, e isso se deve principalmente ao TikTok. O nicho do booktok, como é chamado os vídeos relacionados a livros, dominou a rede, lançando tendências, revivendo clássicos e criando novos fãs. 

As provas dessa influência estão desde livrarias com sessões exclusivas para “sucessos do TikTok”, até nos números da edição de 2022 da Bienal do Livro.

O evento reuniu 660 mil fãs ao longo de seus nove dias. O saldo final indica que, em média, houve uma compra de sete livros por pessoa, com muitas editoras tendo seu melhor desempenho na história das bienais do livro.  

Foto de fãs dentro da Bienal do livro 2022 em Sâo Paulo
Fãs puderam tirar fotos em diversos cenários espalhados na feira (Reprodução: Arquivo Bienal São Paulo)

A Bienal de 2022 teve um grande investimento na literatura pop, e seus maiores atrativos estavam relacionados a autores e influenciadores que bombaram no TikTok, buscando justamente esse público mais jovem e colocando em prova a influência da rede social no mercado literário.

Outro indicativo é o número de vendas dos livros que fizeram sucesso na rede. Sarah J. Mass, autora das sagas  “Trono de Vidro” e “Corte de Espinhos e Rosas”, duas das maiores franquias divulgadas no aplicativo, atingiu o posto de autora de fantasia mais vendida do mundo em 2022. 

Taylor Jenkins Reid, outro nome extremamente conhecido dentro do TikTok por conta de seus livros “Os Sete Maridos de Evelyn Hugo” e “Daisy Jones & The Six” , recentemente chegou a marca de 1 milhão de exemplares vendidos apenas no Brasil.

Taylor Jenkis Reid no set de Daisy Jones
Taylor Jenkins Reid no set de gravação da adaptação de “Daisy Jones & The Six” (Reprodução: Instagram/@tjenkinsreid)

Valorização de obras pelos fãs

Um movimento muito positivo surgido no TikTok é a valorização da literatura nacional. Autores nacionais sempre tiveram mais dificuldade em emplacar suas obras, mas felizmente os leitores parecem se abrir cada vez mais.Há para todos os gostos, desde os romances adolescentes, como “Enquanto eu não te encontro”, do autor Pedro Rhuas até os adultos e que já são considerados novos clássicos, como “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior. 

Outro fenômeno observado é a volta de sagas aos holofotes, já que a rede social atinge um público que ou não era leitor ou ainda sequer tinha idade para ler essas obras na época que faziam sucesso. Jogos Vorazes, Crepúsculo e Percy Jackson e os Olimpianos são bons exemplos desse fenômeno.

Pedro Rhuas, autor de “Enquanto Eu não te Encontro”
Pedro Rhuas, autor de “Enquanto eu não te encontro” (Reprodução: Instagram/@pedrorhuas)

Impacto negativo nos fãs

Porém, se por um lado o TikTok tem um impacto muito positivo, principalmente introduzindo a leitura na vida de muitas pessoas, também tem seus efeitos negativos. Ao mesmo tempo que “clássicos” da literatura jovem foram trazidos de volta à tona, os livros com grandes problemáticas também voltaram. 

O maior problema está na divulgação desses livros, que ou retratam livros com abordagens muito mais sérias de maneira errada, como em “É Assim que Acaba” ou os que ressaltam as problemáticas de maneira positiva, como em “After”. 

“É Assim que Acaba”, da autora Colleen Hoover, é mais um dos livros que foram trazidos de volta pelo booktok e conquistaram milhares de fãs. Porém, uma história que trata diferentes níveis de um relacionamento abusivo foi majoritariamente divulgada como um romance, algo secundário na trama. 

O caso de After é ainda mais complicado, já que sua história romantiza comportamentos extremamente abusivos, mas que não são enxergados por parte dos fãs da obra, e que passam essa visão adiante, por conta do estereótipo de “bad boy” do protagonista. 

O bad boy é aquele homem misterioso, musculoso, que começa a história querendo distância da protagonista, mas que apaixona-se por ela como nunca havia se apaixonado por ninguém antes, revelando suas fragilidades e colocando sobre ela o peso de única capaz de resolver os seus problemas.

Poster da adaptação de “After” (Reprodução: Wattpad)

O mais preocupante é que o estereótipo aparece comumente em obras adolescentes, fazendo com que principalmente as meninas que estão consumindo aquele livro vejam esses comportamentos como normais, induzindo-as a aceitar os mesmos atos em seus próprios relacionamentos. E a romantização feita pela comunidade literária em cima dessas figuras aumenta ainda mais os danos.

Fãs e as adpatações de suas obras favoritas

Livros mal adaptados sempre foram uma “maldição” que perseguiu os fãs das obras, como é o caso de “Percy Jackson e os Olimpianos”, que teve dois filmes tão sem ligação com os livros base que irá até mesmo ganhar uma série no Disney+ para reparar os erros, mas até que ponto uma adaptação precisa seguir o seu material base a risca? Quantas liberdade criativas ela pode tomar?

Um bom exemplo é a recente adaptação da saga “Bridgerton” para uma série para a Netflix. A adaptação tomou diversas liberdades criativas, desde a mudança de etnia dos personagens, algo que agradou os fãs em geral, até melhores soluções para pontos da história, chegando até a mudarem drasticamente alguns rumos, algo muito criticado pelos leitores.

Mesmo assim, a série é um grande sucesso entre a crítica e o público, sendo uma das maiores da plataforma, fenômeno que talvez não acontecesse caso se deixasse guiar completamente pelos livros. Por exemplo, pontos importantes  de “O Visconde que me amava”, segundo livro da série, são extremamente similares com os do primeiro livro, “O Duque e Eu”, uma escolha de estrutura que pode funcionar em livros, mas que teria um impacto muito negativo na TV, e por isso, foi alterada na segunda temporada da série, o que revoltou muitos fãs.

Poster da segunda temporada de Bridgerton
Poster da segunda temporada de Bridgerton (Reprodução: Netflix)

Fãs de quadrinhos

Um dos nichos que vem ganhando mais força nos últimos anos, e ao mesmo tempo atraindo os fanáticos, é o dos quadrinhos, ou se preferir, os filmes de super-herói.

Falar de filmes da Marvel, da DC ou da Sony pode ser um problema enquanto ao envolvimento dos fãs. Ao tratar do assunto, estamos chamando aqueles fãs dos quadrinhos, os fãs apenas dos filmes de herói e os cinéfilos. Todos eles podem ser medidos pelo seu tempo gasto em relação ao produto.

Por exemplo, temos o ‘Vingadores: Ultimato’, o último filme da saga do infinito na Marvel. Para os cinéfilos, o filme é um absurdo, uma abominação do capitalismo desenfreado, acabando com a sétima arte e ocupando 66,66% das salas de cinema, uma vez que eles nunca tiveram contato com esses personagens eles não conseguem diferenciá-lo de outros blockbusters genéricos que existem.

Já para os fãs dos filmes, a energia contagiante de mais de 10 anos de preparo e o acolhimento em uma sala lotada de pessoas sentindo o mesmo é como se estivessem realmente vivenciando o filme e os personagens saíssem da tela. 

Fãs na estreia de Vngadores Ultimato
Fãs na estreia de "Vingadores: Ultimato" (Imagem: O Globo)

Por último, os fãs de quadrinhos sentem quase a mesma coisa que os adoradores dos filmes de herói, entretanto, os leitores não acompanham apenas 15 anos de filmes, mas sim de muito mais tempo, desde quando liam as HQs que inspiraram as histórias no cinema. Devido sua aproximação com o conteúdo original e o tempo gasto nesse hobby, as possibilidades de suas expectativas serem quebradas são muito altas, pois ele não quer que nada mude.

Um bom exemplo é “Capitão América: Guerra Civil”. Para aqueles que leram o quadrinho, o filme foi parcialmente uma decepção, já que não havia semelhanças com as HQs sem ser a motivação da trama. Já para os fãs dos filmes da Marvel, o longa foi ótimo, pois vimos um dos pontos mais críticos daqueles heróis até o momento. 

Fãs de vídeo games

Os fãs também existem dentro do mundo dos jogos, estranho seria se não existissem, mas definitivamente os fãs de videogames se diferenciam um pouco do restante. A realidade é que os jogos têm muitos fatores para se discutir e, querendo ou não, competir. 

Nesse ponto do campeonato é possível dizer que não existe uma causa para guerra dos consoles que vá além do gosto pessoal. Os jogos competem pelo gosto dos consumidores pelo produto, já os consoles são um pouco diferentes.

A origem da “guerra” vem da competição entre as duas maiores empresas do ramo entre a década de 80 e 90: a Nintendo e a Sega. A Nintendo tinha o seu jogo característico de plataforma – o clássico Mario Bros – e fazia sucesso com os consoles de mesa e portáteis, o sucesso da marca foi tanto que a Sony (antes de almejar criar um console próprio) chegou a negociar uma parceria com a empresa. A Sega, por sua vez, crescia cada vez mais com o Master System e decidiu criar uma competição direta em relação ao maior jogo da Nintendo, assim surgiu o Sonic.

Mario & Sonic Olympic Games
Mario & Sonic Olympic Games (Imagem: Reprodução)

É claro que, na época, o debate não era tão radical quanto atualmente, entretanto a Sega e a Nintendo criaram uma rixa pública entre as empresas de videogame, e essa briga nunca mais acabou. Pouco depois que a Sega começou a perder espaço, a Microsoft e a Sony começaram a competir também.

Nos anos 2000 os exclusivos de cada empresa e a capacidade de cada console dividiu cada vez mais os consumidores. Não é muito fácil de falar qual é o gênero de jogo mais adotado por cada empresa, mas quando olhamos para os clássicos exclusivos fica mais fácil de entender. Quem prefere jogos como Mario, Zelda, Pokémon e Animal Crossing, escolhe Nintendo; franquias como Halo e Forza ficam para a Microsoft; os fãs de God of War, The Last of Us, Horizon e Infamous vão para a Sony.

A partir da preferência de cada um, os fãs foram se dividindo entre cada uma das franquias e defendem seus favoritos com garras e dentes. Alguns dizem que a Nintendo tem melhor direção de arte, que a Sony tem mais exclusivos ou que a Microsoft tem consoles melhores, mas no fim do dia o que importa é o gosto e a diversão de cada um.

E a indústria?

É possível dizer que, de certo modo, essa guerra de marketing cresceu além do que as empresas gostariam. Com os fãs, chega a expectativa e exigências de um público mais bem definido. De certo modo isso ajuda as empresas a perseguir o que as fará vender mais, mas nem sempre isso é fácil.

A Nintendo era cobrada pelos lançamentos exclusivos e pelo caráter de “jogo casual” das suas franquias. O resultado foi pouco avanço na parte gráfica dos consoles e lançamentos mais frequentes dos seus maiores títulos, mas nem sempre isso dá certo. Um dos casos é o da franquia Pokémon, que passa por um momento de estagnação e decepção dos fãs. 

Competição entre consoles
A guerra entre consoles (Imagem: jovemnerd)

A Microsoft e a Sony correm atrás do desempenho do console e tiveram que deixar para trás a ideia de portáteis. Apenas neste ano a Sony decidiu voltar atrás e tentar criar um console portátil que se conecta com o PS5 – mas a ideia foi mal recebida e foi comparada com o Wii U, que não é exatamente o console mais celebrado da Nintendo.

Hoje é possível ver que a postura que criou a guerra não é tão forte quanto na época da Nintendo X Sega, mas essa briga que começou nos jogos de plataforma parece estar longe de acabar.

Fãs de cantores e bandas

O nicho musical é um dos mais conhecidos pelos seus fãs alucinados, que fariam de tudo por seus ídolos. Porém, justamente esse impulso de colocar os artistas como o centro de suas vidas é o que faz com que esses fãs também sejam reconhecidos pelo ódio que destilam. 

Fandoms como os do BTS ou os swifters tornaram-se famosos na internet justamente pelos ataques  a outros grupos. Recentemente, com os rumores do namoro entre o cantor Matty Healy e Taylor Swift, os fãs da americana atacaram assiduamente o vocalista da The 1975. Eles foram além: passaram a atacar, também, as pessoas que gostam da banda britânica. Os participantes do fandom pediam para a cantora terminar o relacionamento. Além disso, fizeram cartas de repúdio e passaram a ouvir uma canção para “mostrar a ela que estavam bravos”. 

O fanatismo dos fãs seguia. Cada vez que os rumores aumentavam sobre o casal, mais os swifters esbravejavam. Alguns passaram a esperá-los na porta de um estúdio onde eles produziam trabalhos. Outros, iam a cafés onde os dois estariam se encontrando. O caso de Taylor e Matty levanta mais um ponto: a invasão de privacidade causada pelos fãs. 

Taylor Swift e Matty Healy (Imagem: Teen Vogue)

Os artistas sempre precisaram lidar com a falta completa de privacidade e, na música, não seria diferente. Com a velocidade da informação, um clique de uma câmera ficou ainda mais valioso. Qualquer coisa vale para conseguir a novidade para o maior público. Para alguns artistas, são “os ossos do ofício” – uma obrigação ligada à vida de capas de revistas e publicações. Para outros, ultrapassa os limites da individualidade e do indivíduo. Os fãs são quem se aproveitam da oportunidade de chegar mais perto de seus ídolos. Aproveitam para conhecer mais de sua vida, ou, então, de quem os artistas realmente são.

Ser fã nunca é um problema, pelo contrário é uma dádiva, saber que há outras pessoas tão apaixonadas por algo como você é ótimo e muito prazeroso, mas quando ser fã passa do ponto e vira fanatismo, a visão, e até mesmo o foco de tanta dedicação e amor, seja filmes, séries, livros, quadrinhos, jogos ou cantores, é prejudicada. 

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Texto por Danilo Oliveira Cruz, João Acrísio, Julia Pujar, Marcus Francisco e Patrick Taconelli Palhares

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