The Last of Us traz debate sobre preconceito no mundo geek

No dia 15 de janeiro deste ano, foi lançada a série “The Last of Us” baseada na franquia de jogos de mesmo nome, que acompanha a história dos protagonistas Ellie e Joel em um mundo pós apocalíptico, onde as pessoas são infectadas e controladas por um fungo nomeado cordyceps. 

Nas duas produções, o foco da história é na relação dos personagens entre si e como o mundo é alterado por uma crise, ainda com um espaço para desenvolver as tramas pessoais da dupla: Joel precisa lidar com a perda de sua filha Sarah e assumir a responsabilidade de cuidar de uma garota que carrega a cura para o fungo, enquanto Ellie tem que se adaptar em um mundo no qual tudo que lhe era querido ou seguro foi retirado dela. 

A série, que chegou ao seu fim no último domingo (12 de Março) após 9 episódios, foi um sucesso de audiência e crítica, mas sofreu severas críticas por parte dos fãs da franquia antes e durante sua exibição. Ataques a Pedro Pascal e, principalmente, a Bella Ramsey  (atores de, respectivamente, Joel e Ellie) e críticas sobre as mudanças na abordagem da história e sobre a representatividade trazida foram comuns nas redes sociais, todas alegando ter a mesma preocupação: a fidedignidade com a obra original. Afinal, essa preocupação se fez valer? 

A adaptação do jogo para a série

The Last of Us é um jogo extremamente cinematográfico, desde a maneira com que conta sua narrativa, usado de muitas cutscenes (momentos onde o jogador não consegue controlar o personagem) até da maneira com que foi desenvolvido, usando da captura de movimentos de atores (no caso dos protagonistas, Troy Baker e Ashley Johnson). É comum até mesmo encontrar vídeos no Youtube compilando apenas as cutscenes, construindo uma narrativa perfeitamente entendível. 

Tendo isso em vista, a tarefa de transformar a história em uma série pode parecer mais simples do que com outras mídias, porém havia o risco da produção cair em alguns maneirismos. Apesar de focar na relação entre os personagens, o jogo não deixa de ter seus momentos contínuos de ação contra infectados e pessoas corrompidas por aquele mundo, o que funciona para um jogo, mas poderia se tornar cansativo em uma narrativa diferente. Além disso, no jogo, muitas informações extras são obtidas a partir de explorações dos cenários, coisa que precisa ser modificada no formato de uma narrativa. 

Porém, apesar dos obstáculos, é possível dizer que “The Last of Us” é um exemplo de como se fazer uma boa adaptação. Craig Menzen, em parceria com o desenvolvedor do jogo Neil Druckman, sabe reconhecer o que o jogo tinha de melhor e, a partir de então, cresce em cima dele. Novas tramas são adicionadas, temas retratados brevemente nos jogos recebem um aprofundamento, há uma visão de mundo maior, assim como as das pessoas que nele sobrevivem. O espectador é convidado a conhecer diferentes histórias e ser impactado por elas, tanto que é quase impossível sair dos episódios sem se emocionar com as tramas desenroladas neles. 

A narrativa se permite explorar diferentes ritmos, indo de momentos intensos a calmaria sem perder nem por um segundo a atenção do público. Aqui, os momentos de ação e luta contra os infectados são reduzidos (principalmente por serem mais presentes durante os momentos de gameplay dos jogos), mas por outro lado, o drama parece ser elevado ao seu máximo, muito por conta da atuação primorosa de Pedro Pascal e Bella Ramsey. A dupla compõe suas próprias versões de Joel e Ellie, trazendo uma nova perspectiva dos personagens que chegam a superar os originais em certos momentos. 

Após o último episódio, agora com uma perspectiva geral de toda a temporada, é possível dizer que a adaptação de The Last of Us justifica sua existência. Porém, tendo em vista sua grande qualidade, honrando o material original e acrescentando – e muito- a ele, porque a insatisfação dos fãs?  

O preconceito na comunidade gamer

Dentre as maiores reclamações dos fãs dos jogos em relação a série, estava a falta de ação e da presença dos infectados, mas o que mais incomodou uma parcela do público foram as pautas morais, como a presença de relacionamentos e personagens LGBTQ+ em partes importantes da história ou a etnia do personagem principal, que apesar de não ter provocado nenhuma mudança na história tornou-se alvo de discussão pois Joel é interpretado por Pedro Pascal, ator chileno. 

Bella Ramsey também sofreu ataques por ser considerada “feia demais” para retratar a personagem Ellie, e mesmo após se provar uma excelente escolha para o papel com sua atuação brilhante, ainda sofre com parte do público pedindo sua substituição na segunda temporada. Até mesmo a atriz Nico Parker, intérprete da personagem Sarah, com seu pouco tempo de tela teve sua escalação questionada, por interpretar uma personagem originalmente branca. 

A reação inicial foi seguida por uma tentativa organizada do público de avaliar os episódios da série negativamente, que colocou em destaque um importante problema que assombra a indústria de jogos: o preconceito enraizado nas suas comunidades.

Não é exatamente uma novidade a expressão desse traço no público. “The Last of Us” pode ter sido o alvo mais recente de campanhas de boicote, contudo há um grande histórico das comunidades de jogos se unindo em nome do preconceito, tendo como exemplo o caso que ficou conhecido como “gamergate”, que foi um movimento misógino organizado na internet com o intuito de atacar jornalistas mulheres que apontavam os graves problemas da indústria de jogos.

De algum modo a comunidade focada em jogos virtuais construiu um ambiente aberto a ideias retrógradas e preconceituosas e a falha das empresas que alimentam esse espaço para enfrentar esse problema permite que essas ideias se espalhem e venham a causar danos reais à sociedade. 

No dia 29 de janeiro os trending topics do twitter brasileiro foram tomados por comentários negativos em relação ao retrato da relação de Frank e Bill, afirmando que o aprofundamento dos personagens na série eram uma tentativa de “forçar” o público a aceitar relacionamentos LGBTQ+. Essas críticas se repetiram após o lançamento do episódio 7, que explora a história de Ellie com a sua melhor amiga e interesse romântico Riley (Storm Reid), usando do pretexto de que os episódios desviavam da história original para explorar os temas – e tornando os comentários da série em um campo para destilar ódio.

A série de The Last of Us apenas trouxe para luz – e para o grande público – um problema que permeia o mundo dos jogos a tempos, e que vem sendo ignorado pelas companhias, apesar dos constantes movimentos da comunidade de contorná-los. 

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